Olá pessoal!
Vou abordar agora um assunto muito importante para nós guitarristas, pois está ligado diretamente no nosso primeiro contato com o instrumento, a escala, seus formatos , padrões e as principais madeiras utilizadas na construção.
Nessa temática é importante dar uma atenção especial, pois cada fabricante e cada instrumento têm suas formas e padrões, e elas dizem muito da personalidade e proposta.
Muito se fala do raio e materiais usados e estéticas implantados, mas que ponto isso pode influenciar na sua forma de tocar? São muitas e é isso que quero frisar.
Na década de 50, era que se deu início em escala industrial de construção de guitarras algumas empresas utilizavam alguns padrões diferentes, tanto no comprimento e largura e que influenciaram e influenciam uma grande diversidade de instrumentos que vemos nos dias atuais.
A Fender começou em 1951 usando escalas inteiriças (braço e escala em uma úncia peça de Maple) num comprimento de 25,5″ (polegadas), um raio de 7,25″ (curvatura mais acentuada).
Seus trastes eram finos, conhecidos hoje como “Vintage Frets”. Em 1958 a Fender adotou escalas em Rosewood nas suas guitarras, em específico na Fender Jazzmaster, que era para ser considerada uma guitarra mais sofisticada do que as Stratocaster. No ano seguinte a Fender adotou as escalas em Rosewood e em mais modelos dos seus intrumentos.
Uma escala inteiriça de Maple com raio em 7,25″
Marcas como Gibson e Gretsch adotavam em seus instrumentos escalas de Rosewood e Ébano e uma curvatura de 12″. O que distinguia de uma marca para a outra é o comprimento de suas escalas, a Gibson usava escalas de 24,75″ e a Gretsch o padrão de 25,5″. Ambas utilizavam trastes ligeiramente mais altos e largos comparando com os padrões Fender. A Gibson adotou os trastes Jumbo como conhecemos hoje em 1959.
Exemplo de escala de uma Gibson Les Paul Custom em Ébano, raio 12″ e trastes Jumbo
Comprimento da Escala
O comprimento da escala exerce mais influência do que pensamos no timbre e tocabilidade. Escalas mais curtas como no padrão Gibson de 24,75″ proporcionam sons menos estalados e favorecem a timbres mais “Warm”, aveludados e escuros. Além das casas desse tipo de escala serem menores e favorecerem a execução de digitações com mais abertura de dedos, a sensação que temos é de cordas mais soltas.
Muitos guitarristas utilizam cordas mais pesadas, pois a combinação de escala mais curta, trastes Jumbo que praticamente se tornou um padrão da empresa e uma curvatura de 12″ que permite cordas mais baixas e retas no padrão da ponte tornam essas guitarras bem macias e de tocabilidade mais fácil.
Porém é importante frisar que nas últimas casas de guitarras como Les Pauls ou SGs executar bends pode ser uma tarefa um pouco mais difícil devido a proximidade do ponto de tensão que é a ponte da guitarra.
Comparativo entre as escalas de 24,75″ e 25,75″
Escalas mais compridas no padrão Fender e Gretsch influenciam diretamente no som, elas proporcionam sons mais percussivos e estalados. No quesito conforto exige uma leve abertura a mais de dedos dependendo dos padrões de digitação utilizados e também dão a sensação de serem um pouco mais duras devido a tensão das cordas serem maiores para atingir a afinação, porém facilmente adaptado com a vasta gama de espessuras de cordas encontrados hoje em dia no mercado.
A escala de uma Gretsch G612T Duo Jet com raio em 12″
A famosa e conceituada PRS que surgiu em 1985 adotou o meio termo entre os padrões Fender e Gibson, utilizando um comprimento de 25″ e raio de escala de 10″, agradando muito os músicos e entusiastas por proporcionar caraterísticas de Fender e Gibson em uma só guitarra.
PRS Modern Eagle I com escala em Brazilian Rosewood Raio 10″
Curvatura da Escala
A curvatura da escala é outro ponto muito importante e que exerce influência direta no assunto “conforto” e proposta de som que o músico possui. Nesse contexto temos principalmente as escalas 7,25″, 9,5″ e 10″, 12″, 14″ e até 16″ e escalas com raios compostos. Escalas mais curvas como os antigos padrões da Fender em 7,25″ facilitam bastante na execução de acordes, frases com Double Stops a lá Hendrix, Curtis Mayfield e SRV. Particularmente eu creio que esse fato é uma boa escola para desenvolver força e segurança para tocar diversos instrumentos. Se a guitarra estiver bem regulada haverá maior facilidade de se fazer bends, ligados e outros.
David Gilmour é outro exemplo de uso de escala 7,25″ , com a sua Black Strat construiu solos maravilhosos e eternizados com muito feeling. Muitas guitarristas acham que com escala de 7,25″ é difícil de se tocar, mas na verdade não é bem assim e vale a pena experimentar para quebrar paradigmas.
A fender no padrão em geral tem fabricado as guitarras de série com raio 9,5″, tendo exceções, como por exemplo para a Loja americana WildWood Guitars, cuja parceria culminou em guitarras com alguns diferenciais incluindo o Raio de curvatura 10″.
A abaulada escala de uma Fender Stratocaster de 1963 em Rosewood, repare como a escala é fina.
Comparação entre raios de escala em 7,25″ e 9,5″
David Gilmour e a sua famosa Black Strat com raio 7,25″
Uma Fender Strato Custom Shop WildWood Raio 10″
Conforme descrito mais acima, as Gibson assim como Gretsch mantém como padrão escalas em 12″, que possuem uma leve curvatura porém permitem ação de cordas mais baixas e mais conforto. Essa curvatura veio a influenciar diretamente os fabricantes de guitarras dos anos 80 que logo adotaram seus raios de 12″, 14″ ou até mesmo incríveis 16″, bem retos e planos.
Ações de cordas super baixas e trastes Jumbo ou Extra Jumbo era tendência nessa época facilitando muito frases rápidas sem muito esforço. Essa tendência é muito comum até os dias de hoje, principalmente para os guitarristas que gostam de ousar com frases quase que na “velocidade da luz”.
A plana escala em 15,75″ de uma Ibanez Jem
Raio Composto
Nos tempos atuais é comum ver também as famosas escalas de raio composto, onde inicialmente temos escalas com curvatura de no geral iniciando em 9,5″ terminando nas notas mais agudas em 12″ ou até mesmo 14″. A mudança de acentuação geralmente começa do 9° traste passando por 10″, 12″ na região da 12° casa e finalizando em 14″ ou 16″, esse último mais comum em guitarras com 24 trastes.
Essa configuração é versátil e permite conforto máximo tanto para acordes e bases consistentes e também na execução de frases rápidas, cheias de técnicas e solos “berrados” nas notas agudas da guitarra.
Uma ilustração de como funcionam os modernos raios compostos.
Fender Custom Shop “Post Modern” com raio composto – Tocabilidade fácil
Materiais e Tamanho dos Trastes
Em relação aos trastes, seus materiais, tamanhos e cuidados na instalação são muito importantes também e de grande influencia nos tons e conforto. Trastes mais antigos eram feitos de alpaca. Esse material é uma liga de Cobre, Níquel e Zinco e o percentual de cada propriedade vai dizer muito sobre a resistência. Trastes com mais níquel são mais resistentes tanto no quesito dureza e também mais resistentes a oxidações.
Nos anos 50 esses trastes eram mais finos e não muito altos, proporcionando sons mais agudos e também dando a sensação de serem mais duros de tocar. Na atualidade apenas reedições de guitarras dessa época vem com essa configuração,mas nem todas, é comum nos depararmos com reedições da década de 50 com trastes Medium, Jumbo ou mesmo Jumbo devido o conforto que proporcionam.
Comparativo de formatos e tamanhos de trastes
Existe hoje no mercado os famosos trastes de Inox, que proporcionam muita dureza, resistência e se bem polidos muito mais facilidade na execução de bends, sendo uma excelente alternativa para guitarristas que gostam de tocar com cordas mais pesadas, evitando desgaste dos mesmos e facilitando em bends e vibratos consideravelmente. Importante frisar que trastes em Inox entregarão sons ligeiramente mais agudos. Devido à alta resistência do material empregado, esses trastes tem uma longevidade enorme.
Music Maker Strat com trastes Inox Jescar
Outra tendência no formato de trastes nos tempos atuais são os “Narrow Tall”, que são trastes mais finos, ligeiramente maior que os Vintage e mais finos que Medium Jumbo, porém com a altura de trastes Jumbos. Resultado, conforto semelhante dos Jumbos, sons mais agudos e próximos de guitarras Vintage. Uma excelente sacada!
Os finos e altos trastes Narrow Tall de uma Fender Custom Shop
PRINCIPAIS MADEIRAS UTILIZADAS EM ESCALAS
Em relação aos materiais de escalas, as madeiras mais comuns são Maple, Rosewood e suas denominações (Brazilian Rosewood, Indian Lauren ou Rosewood Indiano e etc), Ébano e Pau-Ferro. Existem outras madeiras mas essas são as mais encontradas no mercado.
Escala em Maple
Escalas de Maple são as famosas escalas claras e uma característica dessa madeira é a sua dureza e pouca porosidade. Escalas em Maple dão tons ligeiramente mais agudos, não sendo uma regra quando comparar com instrumentos de escala escura, pois a espessura do braço, construção e madeira do corpo exercem uma influência sonora grande.
Mas vale frisar que instrumentos com escala de Maple quando feitos de forma inteiriça (braço e escala em uma úncia peça) proporcionam mais vibração e costumam transmitir bem essas mesmas vibrações com o corpo da guitarra. Uma variação do maple são os famosos Flamad Maple e o Bird Eyes, observados em guitarras de construção mais refinadas e que oferecem também um lindo visual.
Escala em Maple nessa linda fender Strato Custom Shop Over Color
Lindo braço em Flamad Maple numa Tele Masterdesign Yuriy Shishkov
Braço em Bird Eyes numa guitarra JP6 – John Petrucci Mistic Drean
Escala em Rosewood (Jacarandá)
Já o Rosewood é da família de árvores “Dalbergia” e existem em áreas mais tropicais em direção central ao hemisfério sul do globo terrestre. O mais nobre é o brasileiríssimo Jacarandá da Bahia, com belos tons avermelhados. As características do Rosewood são madeiras duras porém mais porosas, permitindo mais vibração interna. A espessura do Rosewood também influencia na sonoridade, os mais finos dão a sensação de tons mais gordos e os mais grossos respondem com mais agudos e ligeiramente mais sustain, além de permitir posteriormente reabaulamento da escala sem pormenores.
Uma fender Stratocaster 1978 vintage com escala em Rosewood Indiano
Na indústria existem vários tipos de Rosewood e é bem comum vermos o Rosewood Indiano, que é uma árvore Dalbergia da região da Índia, China e parte do Oriente Médio. Esteticamente eles são mais escuros, próximo da cor “café” e se a madeira tiver uma boa idade ela apresenta qualidades muito semelhantes a nobres peças de Rosewood usados antigamente. Importante comentar aqui que algumas marcas de guitarras mais baratas utilizam peças secas em estufas, diminuindo a porosidade da madeira, o que faz alguns “torcerem o nariz” quando leem nas especificações “Indiam Rosewood”.
Porém as mais conceituadas marcas estão cada vez mais adotando o Rosewood Indiano devido a escassez e exploração desacerbada do Rosewood Brasileiro nas décadas de 50 até 80. As empresas investem pesado em pesquisas e tratamento dessas peças para resultados tão bons quanto os tradicionais Jacarandás Brasileiros, Hondurenhos e da América Latina e do Sul.
Strato Dunamiz com escala de Jacarandá da Bahia com mais de 100 anos
Escala em Ébano
Ébano é uma madeira muito pesada, escura resistente. O nome científico da árvore da qual se extrai a madeira é Diospyros Tesselaria, da família das ebenáceas. As ebenáceas são árvores encontradas em regiões tropicais, principalmente na África e na América. É encontrada ainda em algumas regiões da Ásia.
É uma madeira de altíssima densidade, produz muito sustain com alta reflexibilidade, deixando o timbre muito estável e centrado nas frequências médias não caindo nem tanto para o grave e nem para o agudo. Já foi uma das madeiras mais cobiçadas para escalas de instrumentos devido à sua dureza e alta resistência a empenamentos.
Guitarras construídas com escalas em ébano tem por característica serem bastante confortáveis e macias de tocar. A Gibson por exemplo já construiu algumas guitarras Custom com escala em ébano.
Atualmente é uma madeira com preço mais elevado, mais rara e de difícil aquisição, não sendo portanto utilizada em instrumentos de fabricação em série.
Gibson Les Paul Custom com escala em ébano (observe como é mais escura)
Escala em Pau Ferro
O Pau-Ferro é uma árvore da espécie “Fabaceae” e pode ser considerada uma prima das “Dalbergias”, devido a similaridade. Ela é comumente chamado aqui no Brasil como “Jacarandá da Caatinga” porém com suas próprias características. Em comparação ao Rosewood, ela apresenta a dureza e resistência muito similar, porém menos porosidade.
Esteticamente ela possui tons castanhos avermelhados a marrons escuros e apresenta mais veios, podendo ser retilíneos e curvos, dando uma estética mais exótica aos instrumentos.
Essa escala foi imortalizada e popularizada na sensacional Fender Stratocaster Signature do Stevie Ray Vaughan e têm se tornado cada vez mais uma excelente opção para os grandes fabricantes devido a facilidade de acesso a essas madeiras e qualidade de nível excelente.
Escala de Pau-Ferro de uma Fender Stratocaster SRV Signature
O mercado e padrão de escalas evoluiu muito nas últimas décadas e encontramos uma vasta gama de padrões de curvatura, materiais, trastes, etc… do qual ficamos até perdidos em meio de tantas informações.
Espero que esse texto básico possa ser de serventia e somar aos seus conhecimentos . O propósito não é esgotar o assunto , pois “escalas de guitarras” é um tema abrangente e influente. O propósito é te ajudar a comprar o instrumento com a escala, trastes e materiais de construção mais adequados para você.
Sobre o autor
Lucas Sgreccia é professor de guitarra a 17 anos, atua profissionalmente na música desde 2005 acompanhando artistas, bandas e trabalhando em estúdio. Foi também Artista Endorser e Especialista de produtos Fender de 2017 a 2020 e Endorser da renomada Rotosound Strings no ano de 2018.
Conheça mais sobre Lucas Sgreccia em:
Instagram: @lucas_sgreccia
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